Uma moderna e requintada espécie de iliteracia gourmet
No princípio do século passado, o jornalista Rui de Barros, numa das suas sempre curiosas «Notas a Lápis», debruçava-se sobre a relação entre o livro e o jornal. E iniciava o seu texto com uma sentença bombástica: a literatura morre às mãos do jornalismo.
Os seus argumentos passavam pela constatação de que a divulgação do romance nos jornais, em forma de folhetim, roubava espaço aos editores, perdendo estes – normalmente também livreiros e muitas vezes tipógrafos – um número muito significativo de potenciais interessados na aquisição das suas publicações. Na prática, a lógica que no século XIX tinha despertado o interesse pela literatura e contribuído para ajudar a reduzir a enorme percentagem de analfabetos em Portugal, alimentando a indústria do livro e do jornal, tornara-se num empecilho para a sobrevivência dos autores, dos editores e dos industriais de artes gráficas, bem como para a evolução das próprias letras.
E Rui de Barros reclamava: «já os romancistas não podem pensar em tirar numerosas edições das suas obras; o público corta os folhetins, cose-os ou encaderna-os».
Na sua perspectiva, estávamos perante uma crise que não se desviaria facilmente. Os periódicos haviam invadido tudo, os livros conservavam-se nas estantes dos editores, e estes davam «voltas aos miolos», procurando a maneira de resolver o problema que tanto afectava os seus interesses.
Considerado brutal para as cacholas de todos os estilos, este problema era, acima de tudo, visto como um incrível golpe, do qual Rui de Barros lamentava não conseguirem esquivar-se os literatos de valor.
E dramatizava: «há-de chegar um dia em que não se encontrará no mundo um romancista, embora um novo Diógenes acenda a sua lanterna e trate de o procurar como rara avis, pois é muito difícil encontrar homens dispostos a exercer uma profissão que não rende nada».
Curiosamente, a verdade é que os responsáveis do monárquico Diario Illustrado, também eles editores de obras não periódicas, talvez levados pela constatação destes pressupostos, tomariam a decisão de eliminar, entre outras rubricas, uma página literária semanal, que haviam mantido durante décadas, o que terá contribuído para alterar drasticamente a sua inicial e eclética estrutura editorial, dando corpo a um outro jornal, a partir de então, praticamente reduzido aos assuntos da política partidária.
E este facto, associado à progressiva pressão de uma opinião pública cansada do Rotativismo e, depois, entusiasmada com a implantação da República, revelar-se-ia uma atitude suicida: o jornal, onde Rui de Barros via impressas as suas crónicas, acabaria por encerrar portas e não consta que as questões ali levantadas tivessem tido uma resposta convincente.
A ideia de que as famílias não se dispunham a despender dinheiro em livros, dado que nos jornais encontravam tudo o que necessitavam saber sobre política, ciências, literatura e artes, não justificava completamente aquela a que Rui de Barros chamava a Waterloo preparada pelos jornais. E o próprio tinha consciência disso quando discorria sobre as preocupantes e contraditórias exigências sociais da altura:
As necessidades da vida aumentam dia-a-dia, e já que os chefes de família não economizam no que respeita aos trajes dos filhos, bom é que os livros paguem as custas, e se fiquem esses santos varões muito satisfeitos, não despendendo, para se distrair com a leitura, mais do que os dez réis diários do periódico.
Gastar 30 ou 40$000 réis num vestido de baile parece-lhes natural e preciso, mas dar seis ou oito tostões por um bom romance toma as proporções de um escandaloso esbanjador.
Afinal, o problema era muito mais fundo. E, infelizmente, acabaria por se agravar, arrastando-se até aos nossos dias.
Se os editores continuam a viver com as suas ancestrais dificuldades, se os jornais e os livros em papel convivem desesperadamente com a ameaça do digital e se os industriais esbracejam contra a velocidade com que as novas tecnologias tornam obsoletos os seus parques gráficos, por outro lado, os jovens não perdem tempo com leituras que consideram inúteis; os próprios estudantes trocam todos os livros do mundo por um telemóvel, e, verdade seja dita, os adultos praticamente deixaram de ler, correndo todos eles o risco de darem entrada nos vários espaços onde se serve uma moderna e requintada espécie de iliteracia gourmet.
A verdade da mentira
Na Imprensa dos nossos dias
«Na presente estampa é representada a Revelação, essa mimosa e benéfica filha dos Céus, que em hábitos singelos, porém misteriosos, defendida pelo escudo da verdade, e firmando com a mão direita os seus estatutos venerandos, eternos e divinos, veio em auxílio da humanidade abatida, aterrada e vítima da morte pela terrível desgraça do Édem».
Na conquista de Faro
D. Afonso III - temerário e apaixonado
A Imprensa, que acaba de ser descoberta em Mogúncia, é a Arte das Artes, a Ciência das Ciências. Graças à sua rápida difusão, o mundo foi dotado de um tesouro magnífico, até então enterrado, de sabedoria e de ciências
Werner Rolewinck, 1490