Em 1860 António Feliciano de Castilho, a propósito de a imprensa e a língua materna, dizia:
“Não é para aqui amplificar excelências da língua portuguesa, assaz, e de sobra, o tenho feito há anos, e o tinham feito antes de mim outros, melhores do que eu. É uma língua bela; é uma língua rica; é uma língua para tudo; quem o desconhece? Por tudo isto, e porque é nossa, e porque é, como todas, susceptível de ainda maior lustre, devemos amá-la, servi-la, defendê-la de desacatos, restituí-la ao seu trono, alteando-lho e redoirando-lho, e nele mantê-la senhoril, como as mais soberbas, em vez de se andar à esmola, pintalgada de farrapos estrangeiros, e caindo de debilidade. A imprensa livre, isto é, a imprensa depois da invasão dos bárbaros, se tem feito à sociedade alguns benefícios, para a nossa vernaculidade, não se pode escurecer que tem sido, e está sendo, uma verdadeira máquina infernal”.
Claro que não foi com esta grafia que se expressou o nosso escritor romântico. Ao longo dos quase 160 anos que passaram já houve vários momentos de actualização que certamente o deixariam cego de raiva, não fora ele já invisual, para sua infelicidade. Isto evitando dar-lhe a ler um texto submetido ao último acordo ortográfico, para não morrer fulminado com uma apoplexia.
A verdade é que, no essencial, Castilho estava, e continua a estar, certo. A imprensa é o verdadeiro inferno da nossa língua – para não falar da catástrofe das redes sociais, onde o que se escreve não passa de um estranho dialecto suportado por sinais de iliteracia galopante.
A verdadeira sorte da nossa língua é a de que os nossos políticos, sobretudo os que na lógica da fractura imaginam angariar votos, desconhecem que este problema dos desmandos da língua já teve, no século XIX, por proposta de um ministro francês, uma solução: a de acabar com a ortografia. Ou seja, cada um escrever sem qualquer regra, desde que fosse possível, com mais ou menos dificuldade, entendermo-nos.
Felizmente, os franceses amam a sua língua, e a proposta não passou de um dislate ministerial.
Apropriando-me das palavras do filólogo Cordeiro Ramos, a propósito da convenção ortográfica luso-brasileira de 1944, diria:
“[…] bem merece a nossa língua todo o carinho que lhe dispensemos, pois não há outra que a exceda em formosura e riqueza. […] Razões de sobejo justificam o desgosto com que os escritores peritos no manejo da sua língua a vêem tantas vezes poluir-se em formas viciosas que, adulterando-a, abrem caminho à degenerescência do gosto e até à corrupção do espírito”.
Como é notório, não estou de acordo com o acordo. Vou, por isso, continuar a escrever conforme a grafia antiga… Até que o dito seja definitivamente revogado, no mínimo melhorado, ou os meus netos não entendam o que escrevo.