A Lanterna e a Liberdade de Imprensa

e as histórias que a História omite por decência (II)

Depois das «Notas da Corte», protagonizadas pelo redactor de A Lanterna, e dado que alguns amigos ficaram surpreendidos com a inopinada venda pública dos bens da falecida D. Amélia de Leuchtenberg, a imperatriz consorte do Brasil, e esposa do nosso D. Pedro IV, entendemos que valia a pena trazer mais uma das histórias que a História omite por decência.                                E voltando a acender a luz de A Lanterna, desta vez o foco aponta para António Rodrigues Sampaio,

António Rodrigues Sampaio. Desenho de Manuel de Macedo e gravura de Caetano Alberto.

aquele que para a História ficaria como «um homem que soube fazer da pena um ceptro glorioso» – isto dito no Diario Ilustrado, aquando da notícia da sua morte, em 1882 – ou como o «verdadeiro atleta do jornalismo», esta uma legenda com que, na mesma data, Francisco Pereira e Sousa, no jornal A Imprensa, rememorava o clandestino Espectro ou A Revolução de Septembro, dois jornais onde o falecido se havia notabilizado.  

A verdade é que Rodrigues Sampaio não se limitou a presidir o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas ou a patrocinar apoio ao Ecco dos Operarios. Sampaio ambicionava o poder, e esse desígnio concretizar-se-ia em 1851, com a sua eleição como deputado da nação, vindo, mais tarde, a chegar ao governo e à presidência do conselho de ministros.

E é nesta condição, entre o que tinha defendido e o que passara a defender, designadamente no que diz respeito à Liberdade de Imprensa, que as suas incoerências se revelariam motivo da violenta luz projectada nas páginas de A Lanterna, de que passamos um excerto:

[…] Não admira porque é ministro do reino António Rodrigues Sampaio!

Como a providência é sábia em seus decretos!

Fadara o Lázaro do Espectro para todas as abjecções que podem envilecer um homem, e faltava esta!

António Rodrigues Sampaio, o jornalista que mais tem abusado, prostituído e desonrado a imprensa, devia desonrar-se também, lançando na fronte de um jornalista sisudo e honesto, o insulto grosseiro, que escandaliza a imprensa toda; a afronta vil, que ofende todos os sacerdotes dignos da santa instituição democrática!

António Rodrigues Sampaio!

Negra sina te fadou, trânsfuga, traidor, réptil imundo, quando te aventuraste, incauto aos mares tormentosos da política!

Estamparam-te na fronte o ferrete de caluniador, e no exercício da tua missão vergonhosa nem respeitas as cadeiras do poder, nem os ecos da repreensão nacional!

Tens razão! Quem tem envenenado com a sua baba imunda e pestilencial, o que há de mais nobre e sagrado em Portugal, devia mostrar-se no poder tal qual é, e fornecer aos cronistas elementos seguros, para lhe traçarem com verdade, na história pátria, a página em que devem ficar estampados o seu nome e os seus crimes!

Castigado estás tu já, energúmeno, que pediste a vida a uma rainha que infamaste, para te rojares depois servil aos pés do filho, que te saciou a ambição, com um emprego rendoso!

Nunca nenhum homem público representou mais triste papel na cena da governação!

Liberticida e apóstata, as tuas vítimas estão vingadas ao reconhecerem-te ignorante e mentecapto!

[… ]

E é triste ver Rodrigues Sampaio retratado desta forma, sem dó nem piedade… Pelo menos para mim que aprendi a reconhecer-lhe o carácter, a coragem e o exemplo com que, como jornalista, representou a imprensa em Portugal. No entanto, a história não se inventa. É feita de factos. E estes não estão apenas gravados, em 1872, nas palavras cruéis da Lanterna. Estão também, quase uma década mais tarde, no desencanto, na revolta, que dá expressão ao Renegado, um longo poema onde Gomes Leal (curiosamente de lanterna em punho) decide desafiar aquele que denomina o «velho urso na caverna»:

Quem és? Quem és?… Ó glória, ó nome hoje aviltado?

Tu foste a Alma do Povo – hoje és um renegado.

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És o que se vendeu! – Tu és uma cloaca.

1 comentário em “A Lanterna e a Liberdade de Imprensa

  1. Como se vê o ser humano tem evoluído pouco! Repetem se e não aprendem! Lá dizia o outro ( deve ser o Eça, mas não tenho a certeza!) ” a merda é sempre a mesma, só mudam as moscas”. Sobre liberdade da imprensa tinha que escrever muito … mas deves concordar que isto que há hoje é pelo menos muito duvidoso. Conversaremos sobre o tema! Gostei do teu texto!

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