Há dias de sorte?
Então, num destes dias, não é que deparo com Almeida Garrett, rodeado, como gostava, de livros, jornais e revistas, numa pose circunscrita por uma linha oviforme, de olhar sereno e focado a 45 graus, como exigiam as regras da arte do retrato oitocentista…
Pois é, ali estava ele, como que numa singela, mas simbólica, homenagem ao génio nacional, a fazer capa do primeiro número da Gazeta Illustrada, uma revista semanal de «vulgarização científica, artística e literária», encimada por um cabeçalho, já de tendência modernista, a que o autor, Manuel da Silva Gaio, optou por juntar uma espécie de musa do design gráfico.
Mas, o poeta mais português que teve Portugal, comenda que lhe atribuiu
Pinheiro Chagas, felizmente não se encontrava sozinho. Estava rodeado de muitas personagens alinhadas pelo mesmo nível de reconhecimento nacional ou internacional, designadamente, os também retratados Antero de Quental, Columbano Bordalo Pinheiro, Henrique Pousão e Camões, bem como de vários outros portugueses associados às suas obras, como Manuel da Fonseca, João Ribeiro Cristino, Raul Lino, Monteiro Ramalho, Silva Porto, Francisco Vilaça, e ainda os representados pelos textos inseridos, como Fialho de Almeida, Lopes Vieira, Júlio Brandão, Marcelino Mesquita ou Trindade Coelho.
A esta tertúlia, talvez por precaução, não fosse alguém afogar-se no mar aberto ao conhecimento e à cultura, juntava-se o Patrão Joaquim Lopes. Curiosamente, este destemido salva-vidas, que se apresenta esculpido por Moreira Rato e gravado por Diogo Neto, terá no presente ano direito a ser recordado pelos 222 anos que decorreram desde o seu nascimento – um belo número a que se podem acrescentar os 130 anos da sua morte. Esperemos pelas justas comemorações em Olhão, a sua terra natal, e no concelho de Oeiras, onde viveu grande parte da sua vida e onde se tornou célebre pela coragem ao enfrentar tempestades a que arrancou um número infindável de náufragos. No nosso caso, começamos por lhe dar o destaque da primeira página onde foi distinguido pela Gazeta e deixamos Almeida Garrett para outra ocasião.
E, como diria o medalhado algarvio: meu dito meu feito! Perante este surpreendente encontro, inevitavelmente tive que abrir os cordões à bolsa para acrescentar mais uma gazeta à minha colecção de publicações ilustradas – sobretudo a pensar na sua integração no quinto volume das minhas Artes Gráficas e a Imprensa em Portugal, agora na sua segunda fase, rumo à década de 1900.
Dada à estampa em 1901, esta Gazeta conimbricense até já podia ter sido referida no âmbito do volume Da Arte Typographica ao Design Tipográfico, dado que se trata de um bom exemplo da transição da imprensa do século XIX para o século XX, com a gravura em madeira a ser paulatinamente substituída pela fotogravura e pela zincogravura. De qualquer forma, o seu proprietário, Albino Caetano da Silva, um gravador, discípulo de João Pedroso, que herdara do seu pai, Manuel Caetano da Silva, a Typographia Auxiliar d’Escriptorio, já fora motivo do meu interesse particular, nomeadamente por razões que tiveram a ver com as suas interessantes apostas editoriais.
Com efeito, para além da Gazeta Illustrada e do investimento que fez na publicação de toda uma série de obras literárias de vários autores de reconhecido mérito, o industrial e editor Caetano da Silva haveria ainda de partilhar algumas iniciativas com António Augusto Gonçalves, um desenhador e jornalista, cujo espírito empreendedor teve o mérito de o desafiar para a aventura do lançamento de outras publicações periódicas, como foram, por exemplo, os casos do Jornal Para Todos, em 1889 ou da revista Arte, em 1895.
Enfim, com já reconheci, sendo uma Gazeta que, pela sua raridade, é muito difícil de encontrar, o dia foi mesmo de sorte. Resta apenas dizer que, para ter sido um dia perfeito, bastava que não faltassem à colecção os seus dois últimos números, porventura, algures por aí, perdidos, a aguardarem um olhar atento e interessado.