A propósito do dia mundial da língua portuguesa, ocorreu-me a forma lamentável como vem sendo tratada, designadamente com o beneplácito de um acordo ortográfico que abriu janelas e portas a todos os disparates possíveis e imaginários. E, depois, parei para pensar nos portugueses que acordaram e nos que o ratificaram. E senti-me como Almada Negreiros quando desabafou dizendo não ter culpa de ser português.
Ao lembrar-me desta afirmação demolidora, decidi convocar os seus Textos de Intervenção para ler algumas passagens do célebre «ULTIMATUM FUTURISTA às gerações portuguesas do século XX».
E lá reencontrei muitas dolorosas sentenças, como «Portugal é um país de fracos. Portugal é um país decadente… Também o português não sente a necessidade da arte como não sente a necessidade de lavar os pés» – conclusões a que também Manuel Teixeira Gomes terá chegado e, de forma mais polida, dito e escrito.
Entretanto, no decorrer da leitura da contundência do seu texto, fico com a ideia de que Almada, se fosse vivo, talvez não partilhasse esta comemoração da nossa língua. Porventura, voltaria a desancar a imbecilidade dos nossos políticos e a vaidade dos Júlios Dantas do regime:
O português com todas as suas qualidades de poliglota desnacionaliza-se imediatamente fora da pátria, e até na própria pátria, porque (com o nosso desastre do analfabetismo) a nossa literatura resume-se em meia dúzia de bem-intencionados académicos cuja obra, não satisfazendo ambições mais arrojadas, obriga a recorrer às literaturas estrangeiras. Resultado: ainda nenhum português realizou o verdadeiro valor da língua portuguesa.
Estas são palavras escritas em 1917. Palavras de que Almada se redimiria quando, quase duas décadas mais tarde, se lembrou do homem substituído pelo poeta: «E não haja confusão, senhores! Fernando Pessoa foi exclusivamente poeta: o poeta português Fernando Pessoa».