Fim-de-semana cheio de arte e livros

Mais uma vez, convidado que fui pela direcção da APIGRAF para estar presente no seu encontro anual – este ano realizado nos últimos dias 11 e 12, em Évora –, lá estive com muito gosto. Na verdade, trata-se de um evento em cujas águas gosto de navegar. Fala-se de artes gráficas, de marketing e design e discutem-se os novos rumos que esta indústria, em constante evolução, precisa de traçar para, sem esquecer o passado, se encontrar com o presente e o futuro.

E esta é a onda onde tenho tido grande prazer de velejar ao longo de boa parte

Templo romano de Évora. Desenho de Luciano Freire e gravura de José Augusto de Oliveira, publicado em O Occidente, em 1890.

da minha vida, designadamente ao procurar aproximar-me do tempo e do rumo traçado por homens só comparáveis aos argonautas que ilustram a nossa memória colectiva.

Como sempre, acabei por inteirar-me de muitas das novas propostas em que se têm envolvido os nossos industriais gráficos; percorri uma pequena, mas estimulante, exposição de trabalhos dados à estampa nos últimos tempos; e tive oportunidade de conhecer homens com história e amantes da história.

Um deles, com quem nunca tinha tido oportunidade de falar, dizia-me: tenho andado a ler os seus últimos livros e estou a gostar muito. Parabéns! Obrigado! Todavia, mais importante que o elogio que me deixou naturalmente feliz, foi a nota de rodapé que colocou na nossa conversa breve, mas interessante, e que não me deixou dúvidas sobre o seu amor à invenção de Gutenberg: na minha empresa, decidimos organizar um pequeno espaço museológico dedicado às artes gráficas, e os nossos clientes ficam sempre muito satisfeitos quando o visitam. Outro, com uns inacreditáveis 92 anos de energia, conhecimento e disponibilidade, desafiava-me: há décadas que colecciono máquinas de impressão; tenho-as em dois espaços – um em Lisboa e outro no Porto. A maior parte do tempo vivo no Porto, mas vou a Lisboa quando quiser vê-las.

E entre vários outros que gostei de conhecer, um deles dispôs-se a ajudar-me a resolver um problema com que há muito me deparo: o não existir um encadernador no Algarve onde possa tratar alguns livros a precisarem de ser preservados ou restaurados. Vá lá ter comigo, dizia-me ele, com a maior das simpatias, que eu levo-o a um senhor, já com uma idade avançada, mas que ainda faz esses trabalhos, com a ajuda de uma filha que decidiu aprender o ofício.

E também gostei de conhecer alguém que ao cruzar-se comigo, me dizia: eu sou aquele que mais livros seus tenho adquirido; e ainda vou encomendar mais! Mandei fazer uma caixa própria onde os reúno, e tenho feito deles um belo presente para os meus clientes.  Aquisição que o irmão, e sócio, confirmaria, ao afirmar que não fazia sentido uma empresa de artes gráficas oferecer garrafas de vinho ou outras coisas do género aos seus clientes. E, com um largo sorriso, acrescentava: até porque eles precisam é de ler.

Mas o sábado não terminaria sem que os livros e os jornais estivessem presentes na minha visita a Évora.

Depois de terminado o dito encontro da APIGRAF, com um simpático almoço de convívio e descontração, fui visitar uma amiga que já me esperava na sua casa de família – uma espécie de museu onde ela procura preservar a memória dos seus ilustres antepassados eborenses. E, claro, o lugar próprio para discorrer sobre história – de Évora, da sua família e da própria casa que mantém com muito afecto, mas poucos recursos – é a biblioteca. Biblioteca a que naturalmente um bibliófilo não poderia nunca ficar indiferente.

A dada altura, sabendo do meu interesse particular pelos livros e pelos jornais, a minha amiga Carmo diz com a maior das espontaneidades: olha, Zé, escolhe e leva tudo o que quiseres!

Como devem imaginar, cheguei ao Algarve com uma carga de trabalho para os próximos tempos. De qualquer modo, vou apenas referir-me a uma obra que escolhi, porque se cruza com tudo o que fui dizendo ao longo desta crónica.

Trata-se do primeiro ano da edição de O Occidente, uma «revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro», publicada em 1878, sob a direcção de Manuel de Macedo e Caetano Alberto, também seu proprietário, cujo exemplar me deixou sensibilizado depois de ler o texto da manuscrita dedicatória: A Câmara de Montemor-o-Novo oferece o presente volume ao aluno classificado em segundo lugar pelo respectivo júri nos exames à Instrução Elementar no ano de 1885.

Este prendado estudante era António Cartaxo, um menino que haveria de se fazer homem, aderindo ideologicamente aos valores patrióticos e liberais que, de algum modo, lhe conturbariam a vida.

Curiosamente, é por mim que a minha amiga Carmo veio a conhecer esta faceta de bom aluno do avô.

Se imaginarmos transpor estas estórias para o futuro próximo, infelizmente é possível que lá não encontremos pessoas interessadas em juntar memórias que preservem a arte a que dedicaram toda a sua vida; é possível que já ninguém se lembre de oferecer livros, muito menos juntá-los; é provável que um prémio atribuído a um bom aluno, não recaia num livro, mas num telemóvel, num tablet ou num ainda desconhecido objecto mais sofisticado; e é quase certo que a encadernação seja recordada como uma profissão definitivamente extinta. E é pena que tudo isto possa vir a acontecer.

É certo que já se arquiva muito documento digital incompatível com a evolução da tecnologia, o que significa que inevitavelmente se perderá para sempre; contudo, também é verdade que a nossa história escrita e impressa em papel, mais duradouro que a própria pedra, tem resistido e continuará a resistir à voragem dos tempos e à ignorância dos homens.

2 comentários em “Fim-de-semana cheio de arte e livros

  1. Bbonito texto e tão bem escrito! Agora durante um tempo ninguém te vê! Vou imprimir e mandar por correio à Carmo!

  2. Gostei de ler! Obrigada, José Pacheco.
    A Carmo certamente terá ficado bem agradada com o que relatas; que bom!
    Parabéns!

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