Argel, 20 de Janeiro de 1926 (continuação)
O despertar do génio dionisíaco
ERA, além do mais, esta fatal dualidade do homem na sua relação com a arte que fazia de MTG um escritor de pensamento livre e descomplexado perante a hipocrisia de algumas das avaliações injustas de que foi alvo durante toda a sua vida, e até depois da sua morte, e que lhe colaram na biografia o epíteto de imoral – insinuação que, com alguma frequência, atingiu vários artistas, escritores, poetas e intelectuais da sua esfera de interesse, e facto que também já motivara Charles Baudelaire, um autor que o próprio MTG admirava e louvava por só falar do que lhe agradava, a recorrer ao referido Stendhal, para reiterar a sua sentença, admitindo que, apesar do seu “espírito impertinente, irritante, até mesmo repugnante”, se terá aproximado mais da verdade do que muitos outros.
Duas cabeças de mulher – gravura de Smeeton e Tylly, com base num sanguíneo de Miguel Ângelo existente na Biblioteca Ambrosiana, em Milão, publicado na revista L’Art, 1875.
Pormenor da fachada da Catedral de Santa Maria del Fiore. Florença.
Entretanto, a carta chegava ao fim, não sem que MTG referisse uma criança abraçada a uma águia – um bronze que considerava uma obra-prima, e que, talvez injustamente, admitia Donatello nunca ter igualado. Donatello por quem nunca se sentiu atraído, apesar das tentativas de Soares dos Reis para o convencer de que era possível a verdade nua e crua ser aproveitada “sem ofensa à estética”, certamente impressionado pela última fase da sua obra, designadamente dominada por um realismo que privilegiou a expressão dos sentimentos profundos das suas personagens, em detrimento do ideal clássico de beleza com o qual MTG se identificava, como é o caso da «esquelética» Santa Maria Madalena esculpida em madeira, que terá visto no baptistério de Florença, mas também o grupo de alguns dos profetas do antigo testamento, como Jeremias, Habacuque e outros, que também terá tido oportunidade de contemplar na mesma cidade, no Museu dell’Opera del Duomo.
NOTA: Relativamente ao original, que poderá ser solicitado à Editora Arandis, estes fragmentos, que irei publicar até ao próximo dia 18 de Outubro, data que assinala o falecimento de Manuel Teixeira Gomes, não contêm as notas bibliográficas e explicativas. No final, se os leitores as solicitarem, terei todo o gosto em publicá-las.